quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Lugar de cultura é na Cadeia!



Lugar de cultura é na Cadeia!

Foi na cadeia que aprendi com Bete Mendes a importância social de um artista;

O bendito Plínio Marcos, ali numa cela de uma antiga prisão, logo ele que tava bem acostumado com censura fora chamado pra falar da liberdade de ser, como esse mundo dá voltas não é?  Ele falou umas coisas sabe  assim também sobre o tudo ser estar existir desistir resistir, mas naquela época ele fazia sentido, hoje em dia tá tudo tão bem NÉ? A cidade/estado/pais/mundo mudou/melhorou tanto que o universo que ele escredescreveu não tem mais nada a ver, tipoassim, sabe?

Foi na Cadeia que aprendi a ler realmente um texto nas suas entrelinhas, o não quereres dizer, seus contrapontos e conteúdos através de Esther Goes que nos levou um tal de Hamlet pra melhor nos compreendermos, e até hoje, penso, logo desisto;

Foi na cadeia que a arte performática  em Santos  ganhou outros significados quando o Aguilar, (é aquele mesmo da Banda performática, sabe? Não? Que pena, se frequentasse mais a Cadeia saberia...) bem... Quando Aguilar foi lá ele só complicou mais ainda nossa cabeça. Que bom.

Foi na Cadeia que eu chorei com Christiane Tricerri trazia de novo a vida na mesma cela que ela foi presa e torturada, diga-se de passagem, nossa Pagu, e ali mostrava o quanto essa mulher ainda é moderna e faz falta atitude, audácia e culhão.

Foi na cadeia que Elias Andreato pôs de novo Oscar Wilde na cadeia. Foi na cadeia que Cacá Carvalho nos deu o homem com a flor na boca, ah Pirandello...

Foi na Cadeia que eu vi pela primeira vez um autor que eu tinha acabado de conhecer, olha isso, estava com o livro “Devassos no paraíso” e logo depois tive aula com o Trevisan... Santos no paraíso. Depois disso no mesmo clima o Mix Brasil aportou em Santos e hoje temos um nesse estilo mas com nossa personalidade, o Sansex, que fala da igualdade, só que aqui. Esse bebê nasceu lá atrás. Na Cadeia.

Foi na Cadeia que vi exposições de gente que eu conhecia, que dava aula ali dentro e tínhamos a sorte imensa de poder chamar de amigos e ser incomodados por suas obras e  falar sobre elas depois.

Foi na Cadeia que eu vi um projeto que levava aula de teatro pras escolas municipais, estado e prefeitura trabalhando juntos pra unidas fazer um trabalho lindo e desses alunos ainda  tem um monte pagando conta através da cultura e fazendo diferença, conheço vários.

Foi a Cadeia que eu vi em 2004  se lembrar que em 64 tentaram subtrair a nossa pátria mãe gentil, distribuir textos teatrais, que deram problema pros verdinhos naqueles anos cinza, aos grupos de arte que estavam incomodando o status quo de 2004, para esses  incomodar os azuis do período. Ali, o belo surgiu várias vezes.
Foi da Cadeia que partiu um movimento contra esses mesmos azuis, uns tempos antes, de fecharem a nossa Secretaria Municipal de Cultura. Esse povo do tiatru, da curtura era tão chato, mas tão chato, mobilizaram imprensa, pararam sessões na Camara Municipal, artistas do pais inteiro deram depoimentos, ficaram do lado, que não conseguiram fechar a nossa Secult. Ela tá ai até hoje! :D        

A maioria desse povo chato usava a Cadeia como espaço de livre pensamento e ali treinavam suas coisas estranhas de arte que viajavam o pais todo trazendo para Santos prêmios de todo tipo e canto, Santos é um terror!

Foi na Cadeia que Maurice Legeard iniciou seus trabalhos ali numa cela... Nessa mesma Cadeia anos depois um festival de cinema  teve a cara de pau de tentar dar continuidade a paixão de Maurice pela 7º arte numa cidade porto,que não era capital, nem tinha uma classe empresarial conectada com o futuro e com uma população com certa baixa auto estima em relação a si mesmo, pois pra fazer “sucesso” seja lá o que isso for, tínhamos que sair daqui... Bem, tem gente por aqui trabalhando...  Anos depois um filme (olha a 7º arte ai de novo) chamado “Querô” trazia outra geração (ali na fatídica Cadeia novamente) de doidos que amavam cinema e hoje tão por aqui fazendo “sucesso” (palavrinha estranha essa NÉ? Enfim);

Foi na Cadeia que conheci  Zé do caixão e tive medo de falar com ele... falei, aprendi sobre cinema, comprei os filmes que ele estava lançando num Box  e ganhei uma camiseta que ainda tenho!


Ali na Cadeia da Pagu um sonho dela foi levado nas costas por um bom tempo, o Festival de Teatro criado pela jovem Patrícia Galvão ali entre barras de ferro, foi conduzido por pessoas que queriam levar adiante as ideias libertárias desse tal de teatro que era tão bom que era chamado de amador, pois era feito de verdade por quem o amava e que ninguém ainda sabe direito me explicar para que serve...Mas o troço era tão bom que chamávamos ele de FESTA! Pois a cada um deles celebrava-se Baco, todos os Santos, nossos ícones, juntávamo-nos com a população caiçara e comiamos  toda forma de fazer arte e amar, toda forma de cultura antialienante e que estava de olho na alma e no mundo e não na %.

Foi na Cadeia que via e convivia com  grupos de hip hop, literatura, dança contemporânea e clássica, Guris às centenas lambendo aquelas paredes com as notas de Chiquinha Gonzaga, Vila Lobos, Mozart, Pixinguinha, Gonzagão, Bach e as vezes até Gilberto Mendes,  ensaiarem de segunda a segunda, com a devida liberdade assegurada pelos guardas de plantão, esses sempre muito gentis, atenciosos e amigos. Como todo sistema de segurança do Estado de São Paulo é não é verdade?

Ali na Cadeia espalhava-se cultura as cidades irmãs da Baixada, o que nos aproximava e multiplicava.

Na Cadeia eu vi um senhor  bem idoso com aquele brilho nos olhos que só as crianças têm chamado Roger Avanzi, também conhecido como Picolino, Palhaço, levar uma centena de alunos sedentos por circo, às lágrimas e ao riso frouxo e erudito que só um palhaço consegue alcançar. Aquelas rugas nos cantos dos olhos, o cheiro de serragem que aquele homem emanava, o ritmo e cadência da sua voz e a textura daquela pele, a textura das folhas antigas cheias de histórias, levou todo mundo ali aquele dia a se apaixonar ainda mais pela lona. E tem gente dali daquela sala que está em várias delas pelos Brazis afora, é... Foram fazer “sucesso”! Tem uns teimosos e insistentes por aí ainda... Pois naquela sala um dia também veio um patife chamado Hugo Possolo e nos falou da nossa responsabilidade enquanto artistas também, em seu lugar de origem e fora dele.
Ali, no circo, aprendi a tríade:TÉCNICA + ESTÉTICA + ÉTICA.


Aquele circo ali dentro da cadeia fez escola...  Lembra-me até aquela piadinha boba que fala: se puser muro em volta vira cadeia e se pôr lona vira circo. Não é que ali era os 2 juntos???

Por isso que afirmo:  Em  Santos pelo menos, lugar de Cultura É NA CADEIA!

Foi na Cadeia que aprendi o que é liberdade.   

Junior Brassalotti









3 comentários:

  1. Adorei Junior. Fato tudo isso. A Cadeia é o mais legitimo aparelho cultural da cidade. Por tudo que foi, é e que deve continuar sendo. Qdo um povo não respeita a sua história esta fadado a ser número, a ser mais um, a ser qualquer coisa menos um povo. Que a Cadeia se mantenha firme, forte e da cultura e que os artistas possam continuar chamando-a de casa, de lar.

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  2. Foi na Cadeia que aprendi quem eu queria ser como artista e foi com este texto que me emocionei na 6ª feira, logo cedo. A Cadeia não é só um espaço de arte, é o lugar que nos tornou quem somos e nos alimenta de sonhos.

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  3. Belas palavras Júnior, na cadeia por incrível que pareça na CADEIA havia LIBERDADE e por isso havia cultura.Nossos sonhos e lembranças não podem ser simplesmente apagados, queremos a cadeia velha funcionando, queremos o nosso espaço.
    “Muito mais do que máquinas, precisamos de humanidade.”
    (Charles Chaplin)

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